Antes de tudo
Há dias assim… na véspera adormecemos com dificuldade (com a cabeça cheia de coisas) e de manhã acordamos sem vontade nenhuma de corrermos.
No domingo passado (17/4/2016) foi um dia desses. Quando acordei o que mais me apetecia era ficar no meu casulo… isolado de tudo e de todos. Mas não podia ser. Desistir? Depois de 91horas de treino realizadas durante 20 semanas onde percorri mais de 1000km. Nem pensar nisso é bom.
No domingo passado (17/4/2016) foi um dia desses. Quando acordei o que mais me apetecia era ficar no meu casulo… isolado de tudo e de todos. Mas não podia ser. Desistir? Depois de 91horas de treino realizadas durante 20 semanas onde percorri mais de 1000km. Nem pensar nisso é bom.
![]() |
Um dos últimos treinos com parte da equipa IRun e com doping. |
Resolvi que o melhor era não me dar importância e “fazer-me a vida”. O plano tinha sido delineado de véspera em conselho IRun. Eu e o Tiago iríamos para a partida, o Pedro iria com a nossa claque (munidos com a bandeira oficial de Portugal) para o km 12 e de lá partiria como lebre do Tiago. Depois descansaria uns minutos, em local a decidir mais tarde (desde que as nossas incansáveis apoiantes estivesse lá), e continuaria comigo, a ritmo mais descansado.
![]() |
O Tiago no dia antes da prova tentou por todos os meios dar cabo da possível concorrência. |
![]() |
Na véspera foi montado no nosso apartamento uma autentico gabinete de apoio ao atleta. |
![]() |
Eu na véspera pedi a todos os deuses uma boa prova. Até ao BUDA de lá de casa. |
Até à partida
Um pequeno almoço simples preparou-nos para o que aí viria. Resolvemos sair de casa cerca das 8h pois a partida seria dada às 9h. O local de partida ficava a menos de 1000 metros do apartamento onde estivemos durante o fim de semana. Quando saímos de quentinho da habitação ficámos assustados, pois estava muito desagradável. A conjugação de temperatura baixa (6ºC) com o vento estava a furar-nos os planos de correr de calções e camisola IRun de manga curta
O local da partida estava muito bem organizado. A ideia de colocar a entrega dos sacos de roupa dentro de um pavilhão é fantástica, pois ajuda-nos a tirar as camadas de roupa paulatinamente e esperar, ao quentinho, que a hora de partida chegue. Quinze minutos antes das 9h seguimos para a nossa entrada (E). Não foi fácil lá chegar, pois a multidão andava devagar. Mas tinha as suas vantagens pois o aglomerado de pessoas protegia-nos do vento e do frio, afinal íamos equipados conforme as regras dos IRun’s (eu só acrescentei umas luvas - ao jeito do João Alves para dar estilo).
Chegamos ao nosso bloco de partida just in time, deveriam faltar 3 ou 4 minutos para a ordem de marcha. Dois minutos depois do “tiro” oficial de partida começou a nossa prova. Agora era só “Follow de Blue line” (Uma curiosidade dessa corrida é que foi a primeira maratona a pintar a “blue line” no percurso, em 1986).
Os primeiros km’s
Passado poucos minutos de prova o Tiago foi à sua vida… para atingir os mínimos de Boston ele teria de fazer menos de 3h25 e para estar 100% seguro da sua entrada menos de 3h20. Eu, durante cerca de 1km ainda o fui vendo ao longe… depois passou a ser uma miragem por quem “fiz figas” durante todo o percurso.
![]() |
Parida da Maratona de Hamburgo em conformidade com as regras IRun (os primeiros 5 metros só eu posso ir à frente) |
O meu objetivo era melhorar os mínimos obtidos em Amesterdão (3:37:45) que eram curtos para conseguir atingir a almejada entrada em Boston. Por isso, como o Tiago, achei que o melhor seria fazer pelo menos 5 minutos (3:35:00).
Apesar de não estar em modo “transcender-me” lá fui eu. Para os primeiros 5km tinha planeado fazer a média de 5:08/km. Em modo “distração” (dei muitos Hi5 as crianças) fiz de forma tranquila 5:02/km de média. Foram os únicos km’s que fiz abaixo do planeado. Mais ou menos por essa altura bateu-me a forte a vontade de não continuar. Não estava com determinação, sentia-me com o estômago cheio, o peito do pé começou a doer, a passada não estava solta e o moral estava num nível muito baixo.
SOCORRO tirem-se daqui…
Com este quadro os 3:35:00 passaram a ser uma autêntica miragem. Ponderei, por várias vezes, em desistir. Quando chegasse junto à equipa de apoio (12km) agarraria nas minhas coisas e ia para casa. Mais uma vez concentrei me nos Hi5 e no apoio constante dos espetadores sorridentes. O moral foi subindo.
Até aos 31
Quando cheguei aos 12 km’s lá estava a Patrícia e a Carmen com a bandeira dos tugas. Por essa altura já tinha na cabeça que iria fazer mais uns km’s pelo menos até à próxima zona de apoio. O apoio dado ajudou-me a pensar que talvez com calma conseguisse terminar. E quem sabe... se não conseguiria ainda atingir o objetivo. Vendo bem as coisas não estava atrasado, bem pelo contrário. No planeado deveria passar aos 10km, se fosse a um ritmo regular, em 50:57 e em 50:40 se fosse a um ritmo irregular. Eu passei mais rápido em 50:23, mas claro com o moral em baixo.
![]() |
A bandeira e a claque. Um dos meus antídotos contra a desistência durante este dia |
Dos 10 aos 15 km ainda me aguentei passei com 1:15:30. Por esta altura o peito do pé começava a doer consideravelmente, mas como numa maratona dores é coisa que sempre existe resolvi “dar desprezo” às ditas cujas. Para “aumentar a minha dor moral” a equipa de suporte não consegui chegar a tempo de nos ver ao km 16 (nem mais tarde ao km 25). No, entretanto, o cansaço físico começava a chegar, passei à meia-maratona em 1:46:38, cerca de um minuto mais lento do que estava inicialmente planeado.
Daqui para a frente à queda começou a produzir-se de forma mais drástica. Aos 30 km tinha um pouco mais de 2 minutos de atraso (2:32:43). Já só pensava no Pedro, na Carmem, na Patrícia e na bandeira. Já devia estar quase lá…
Em companhia do Pedro
Mais do que alguém que me puxasse eu estava a necessitar do meu amigo e companheiro de aventuras que me desse os mimos da sua presença. Quando aos 32km o vi, em conjunto com a nossa equipa de apoio, não parei, nem me desviei para dar um oi (fisicamente já não conseguia) mas por dentro houve uma explosão de alegria. Deu-se um reboot… até pareceu que as minhas pernas começaram a andar mais depressa.
![]() |
O começo do reboot. |
Nos primeiros km’s, com o Pedro, pus a “conversa em dia”. A minha preocupação principal era saber do Tiago. Aparentemente tudo ia bem. Bem melhor do que inicialmente planeado. A perspetiva de sucesso do Tiago ajudou-me a tornar os km’s seguintes “mais fáceis”. Quando cheguei aos 35km, em 2:58:48, fiz umas contas por alto e verifiquei que se me aguentasse até ao fim a uma média de 5:30/km deveria terminar a prova entre o minuto 38 e 39. Fraco, mas não tão mal como eu achava que ia ser. Iria ficar novamente na zona de mínimos para Boston. Mas, como era pior que em Amesterdão não serviriam para nada.
![]() |
As novidades contadas pelo Pedro aos 32km |
E lá fomos os dois, eu tentado controlar a minha performance para não sair fora da previsão anterior. Por volta do km 38 deu-me um clique e disse para comigo “…não pode ser há que pelo menos fazer um esforço para as coisas serem um pouco melhores...”. O resultado foi que durante 1,5km andei mais rápido (5:08/km). Mas foi sol de pouca dura. Rapidamente voltei ao regime anterior. Mas valeu a pena, pois ganhei segundos preciosos e mantive-me um pouco melhor do que planeado à uns quilómetros atrás. O resultado deste forcing final foi conseguir cortar a meta em 3:37:21, vinte e quatro segundos melhor do que em Amesterdão. O que apesar, de ser dois minutos e vinte e dois segundos pior do que eu queria foi muito bom dado as circunstâncias. Este tempo fica unicamente a dever-se a pura teimosia. Mas na verdade senti que hoje dificilmente podia ser melhor.
Para terminar
Em jeito de conclusão poder-vos-ei dizer que como as outras provas só ter vindo Hamburgo já valeu a pena. O melhor do fim de semana foi estar junto de amigos que ajudaram a dar o colorido a esta minha 24ª Maratona de estrada e o Tiago ter feito um tempo canhão (3:17:43) que lhe abre as portas a estar em Boston em abril de 2017.
A próxima? A 25ªMaratona?
Já estou inscrito a partir de hoje… 9 de Outubro de 2016